POR
ANDRE BARCINSKI 09/09/13 - 07:05
Em
2011, quando conseguiu emprego no Parque Nacional de Boa Nova, no sudoeste da
Bahia, o ambientalista baiano Osmar Barreto Borges estava realizando um sonho.
Era um parque novo, criado em 2010, cujo forte é o turismo de observação de
aves, umas de suas paixões.
Retirado do blog de Andre Barcinski. |
Dois
anos depois, tudo que Borges quer é ir embora. “Não agüento mais. Sofri até um
colapso psicológico, estou desesperado para sair. A situação está
desmoronando.”
O
Parque Nacional de Boa Nova ocupa uma área montanhosa de 12 mil hectares, ou
120 km2. É o equivalente a 75 vezes a área do Parque do Ibirapuera, em São
Paulo, ou a 15 vezes o bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro. E Borges cuida
dessa área sozinho.
O
Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia
para a qual Borges trabalha, não tem sede em Boa Nova. Borges trabalha em casa
e paga telefone e Internet do próprio bolso. O único carro de serviço – um
modelo velho, enviado de outro parque – quebrou em junho. Não há verba para
consertá-lo. Desde então, Borges usa ônibus ou pede veículos emprestados a
moradores. Sua verba para despesas mensais, tirando seu salário, é de cerca de
300 reais.
Borges
é responsável por fiscalizar todo o parque, combater a caça, tráfico de animais
e desmatamento, fazer trabalhos de aproximação com as comunidades, incentivar o
turismo e a educação ambiental, além de lidar com a enorme burocracia estatal.
“Existem muitos sistemas de controle para gestão, pesquisas e documentos. Todos
os documentos relativos ao parque precisam ser escaneados, é um processo bem
burocrático. Tenho de fazer o papel de secretária, polícia, animador social e
agente de desenvolvimento local. E eu não dou conta.”
Vinculado
ao Ministério do Meio Ambiente, o ICMBio gerencia e fiscaliza as Unidades de
Conservação (UCs) do país, além de fomentar e executar programas de pesquisa,
proteção, preservação e conservação da biodiversidade e exercer o poder de
polícia ambiental. Atualmente, o ICM Bio tem pouco menos de 2 mil funcionários
públicos em seu quadro fixo e é responsável por 341 unidades, incluindo 314 UCs
e 11 centros de pesquisa, além de coordenações regionais e unidades
administrativas. A área protegida pelo ICMBio é de 75 milhões de hectares (750
mil km2), ou 8,8% do território brasileiro.
Nos
últimos anos, o orçamento do ICMBio tem sido constantemente cortado pelo
Governo Federal. Em 2010, a verba anual foi de quase 626 milhões de reais. A
projeção para 2014 é de pouco menos de 498 milhões. Considerando uma inflação
média de 6% ao ano, a queda real no orçamento será de 38% em quatro anos.
Como
o governo não pode diminuir salários de funcionários públicos, os cortes
atingem, basicamente, as despesas discricionárias. No caso do ICMBio,
representam gastos com vigilantes, funcionários terceirizados, apoio
administrativo, locação de móveis e imóveis, material de trabalho, energia
elétrica, diárias, passagens e suporte a tecnologia da informação. Os
ambientalistas mantiveram seus empregos, mas trabalham em condições cada vez
piores. A cada corte, a infra-estrutura do ICMBio deteriora.
Só
em 2013, o Governo Federal fez dois cortes. O segundo, ocorrido em julho,
ceifou 107 milhões de reais do orçamento do Ministério do Meio Ambiente.
Segundo Anna Flávia de Senna Franco, diretora de Planejamento, Administração e
Logística do ICMBio, o Ministério do Meio Ambiente está tentando, junto ao
governo, rever esse corte. “Já fizemos estudos mostrando a dimensão do impacto
que isso causaria. A Ministra (Izabella Teixeira, do Meio Ambiente) está
empenhada. Já escrevemos ofícios mostrando possíveis impactos e prejuízos à
fiscalização.” Procurado pela “Folha”, o Ministério do Meio Ambiente não quis
se pronunciar.
Enquanto
isso, ambientalistas sofrem com a falta de condições de trabalho. Rafael
Rossato é analista ambiental do ICMBio na Unidade de Conservação (UC) da
Floresta Nacional de Tefé, interior do Amazonas. A área tem mais de um milhão
de hectares, ou 10 mil km2, quase sete vezes o tamanho da cidade de São Paulo.
Para fiscalizar toda essa área, a UC de Tefé conta com dois analistas
ambientais e três técnicos. “É um número muito reduzido de servidores para uma
demanda de trabalho muito grande”, diz o analista. “É necessário um concurso
público urgente, tendo em vista que o último concurso foi em 2009 e quase todos
analistas ambientais lotados na Amazônia já saíram da região, seja porque a
sede tinha interesse em levá-los para Brasília, por licença médica -normalmente
psicológica – ou porque pediram exoneração.”
A UC
de Tefé tem a missão de fiscalizar vários rios, mas não possui barco. Quando
saem para trabalhos em rios, os servidores precisam alugar barcos por um
contrato de preços elevados e sofrem com a burocracia até para comprar
gasolina. Rossato conta que o escritório abriga ainda funcionários de outras
cinco UCs da região, num total de cerca de 20 profissionais. O escritório conta
com dois carros, um telefone – o segundo foi cortado recentemente – e a
Internet é precária. Rossato chega a levar quatro horas para cadastrar um
documento em um sistema informatizado do ICMBio.
Um
ambientalista com cargo de chefia no ICMBio, que pediu para não ser
identificado, fez um resumo do caos por que passa a vigilância ambiental no
país: “O sistema de unidades de conservação do Brasil é o mais lindo, diverso e
de maior potencial do planeta. Porém, as condições dadas são verdadeiramente
ridículas. Conheço parques em uma dúzia de países, mas nada chega perto do
abandono por que passamos. A relação $/área protegida do Brasil é pior que da
Bolívia e Zâmbia. (…) A relação servidor/área protegida é talvez a pior do
mundo, beirando um gestor para cada 20 mil hectares (200 km2) protegidos. Se
considerarmos só a Amazônia, temos um servidor para cada 200 mil hectares (2
mil km2). Nosso sistema é um dos únicos que não possui guarda-parques,
monitores ou qualquer outro tipo de contratação local, política amplamente
empregada mundo afora a fim de que a população se aproprie das UC e que os
parques possam ter a melhor mão de obra: a que mais conhece a região.”
O
isolamento de ambientalistas torna o trabalho perigoso, especialmente porque eles
têm a missão de coibir e denunciar abusos ambientais. Há quatro meses, uma
ambientalista federal pediu para ser transferida de Paraty (RJ) depois que uma
bomba foi jogada em sua casa. Há um mês, o biólogo espanhol Gonzalo Hernandez
foi encontrado morto a tiros em um parque em Rio Claro (RJ). Hernandez havia
denunciado crimes ambientais, como extração ilegal de palmito, de areia e caça
irregular, no Parque Estadual Cunhambebe.
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